Pelos Caminhos do Mundo

Pelos Caminhos do Mundo

1. Contexto histórico em que esse livro está inserido.

Pelos caminhos do mundo é um livro publicado dentro de um contexto Sociocultural que ficou conhecido como Poesia Independente ou Poesia Marginal. Quando o livro foi editado, apesar das numerosas tentativas para conter a inflação, ela continuava a destruir a economia brasileira. Ainda assim, os próprios órgãos governamentais demonstram que a inflação chegou a 980,2% em 1988. No entanto, apenas em outubro e novembro daquele ano, surgiram greves no setor estatal. Porém, apesar do caos provocado pelo desemprego e perdas salariais, em outubro de 1988 foi promulgada a festejada Constituição brasileira. Para completar, nesse inesquecível ano de 1988, o Brasil contabilizou 23.357 homicídios.

2. Qual a proposta central do livro Pelos caminhos do mundo?

Pelos caminhos do mundo é um livro de dois gêneros.  Isto é, dois gêneros literários. A metade do livro contém poemas e a outra metade, é composta por contos, alguns mini, alguns um pouco maiores.  Esses dados fazem com que o livro se torne ainda mais agradável de ler. Naquela época, isto é, no início da ‘democratização’ do Brasil, quando foi ‘eleito’ um presidente civil. Um livro escrito e produzido de forma independente, não poderia ter outro propósito que não fosse o de expor, sem artifícios, as realidades ocorridas no momento.

Pelos caminhos do mundo

é quase um folhetim  a narrar o que se passava, naquela época, com as pessoas e no cotidiano do país. No livro contém poemas escritos em um contexto como o exposto acima. Por esse motivo, por questões de historicidade, coerência e finalidade, ele não poderia ser diferente do que é. Melhor dizendo, é um livro, no interior do qual, estão muitas críticas indispensáveis, em razão das jogadas políticas e das inverdades do momento, ou seja, o livro contém uma narrativa bem no padrão da Poesia independente.

E assim, por mais que nossa brasilidade nos tenha motivado a ser um povo lutador e cheio de fé, aqueles artifícios políticos provocavam a desesperança na população. Naquela época, os atos do poder executivo entristeciam aqueles que lutaram, não só por abertura política, como também por seriedade com a coisa pública. E assim, de acordo com esses dados, embora nesse livro contenha alguns textos que externem momentos de revolta e descrença, nele também contém momentos de esperança e ternura. Dessa forma, quem for ler o livro Pelos caminhos do mundo deve estar preparado para experimentar diferentes sensações, porque esse livro expõe algumas feridas que somente são possíveis de serem vistas e compreendidas se elas estiverem em um livro de Poesia Independente.

O que é Poesia Independente?

Poesia Independente é um nome paralelo ao de Geração Mimeógrafo ou Poesia Marginal. Ambas as nomenclaturas são resultado de um movimento cultural ocorrido, principalmente, no Rio de Janeiro, após o fim da Tropicália, em 1968. A partir dessa data, com desejo de mostrar e divulgar os seus poemas, poetas começaram a publicar pequenos livros, a maioria deles, de forma artesanal. Como na época, ainda não existiam maquinas de tirar cópias (xerox), a alternativas mais frequente, por ser mais econômica, era o uso do mimeógrafo. Com essa máquina manual era possível fazer algumas impressões. Às vezes, com apenas uns poemas impressos em uma folha de papel A4 ou um grupo de folhas grampeadas ou então um pequeno livro nas mãos, o poeta saia procurando leitores nos mais variados e diferentes lugares.

  Como era divulgada?

A partir da impressão em mimeógrafo, quem dispunha de alguma quantia em dinheiro contratava uma pequena gráfica para imprimir um livreto. O mais importante desse processo era a liberdade do poeta.  Sendo ele o autor e produtor, não havia nenhuma possibilidade de interferência no que diz respeito à escolha dos poemas. E essa era uma questão muito importante. Poder editar o poema que escrevia sem que ele sofresse cortes, principalmente, no vocabulário, assinalava uma grande vitória. Em função da falta de dinheiro, às vezes, até para se alimentar, os poetas independentes ganharam a alcunha de “poetas marginais”, principalmente, porque queriam ser livres em tudo.

E essa liberdade incluía: liberdade para escrever sobre o que quisesse, liberdade para se expressar, (sem se preocupar com o vocabulário canônico), liberdade para falar, principalmente do governo militar, liberdade para se vestir. Enfim, a Poesia independente se caracteriza nos seguintes aspectos: a) Os poemas abordavam temas urbanos, questões sociais, políticos e poesia erótica. Eram poemas curtos; b) O poeta se encarregava de produzir os seus folhetos, livretos ou livros; c) Os poetas subsistiam da distribuição (venda) dos livros.

Na primeira parte do livro Contém:

3. Exemplos do que é Poesia independente:

3.1 PELOS CAMINHOS DO MUNDO

Não é por acaso que ao se olhar para trás

não se vê História, não se vê passado,

e se continuarmos assim como está,

esse Brasil gigante nunca terá futuro.

Depois de vinte e um anos de autoritarismo,

um muito bem sucedido golpe publicitário,

organizado por políticos espertalhões,

conseguiu derrubar os militares do poder.

E o efeito desse último golpe foi muito pior,

porque, dessa vez, ao invés de sumirem

com os líderes sindicais ou com os professores,

eles mataram a vergonha, negaram o progresso,

queimaram a intocável bandeira da verdade.

E, no momento em que se vê a incompetência

instituída de Norte a Sul do país,

também se vê a evasão de seus valores.

E o poeta que sempre falava em ir embora,

arrumou as suas velhas malas e partiu,

e ele foi imitado por mais de um milhão.

Brasileiros estão emigrando, porque a pátria

está entregue ao caos, à perversa inflação.

E antes que morra a esperança,

os brasileiros estão partindo com ela

em busca de novos horizontes.

Os brasileiros procuram outros países

onde os políticos não governam

aplicando astutos golpes publicitários.

Estamos emigrando, porque até as cegonhas,

que são irracionais, chegam a mudar

quando percebem que o seu habitat

não oferece mais condições de vida.

Estamos saindo pelos caminhos do mundo

não por covardia ou desânimo, estamos à

procura da possibilidade de viver sem mentiras.

3.2 FRAGMENTOS Nº 2

(A Poesia independente e o seu olhar para o outro).

Fazia frio, muito frio.

E o brilho da lua

me ajudou a ver aquelas crianças

sentadas na calçada de um açougue.

Eles olhavam as carnes penduradas

desejosos de matar a fome

que os devoravam.

Mas, impossibilitados, vencidos pela fome,

vi que um deles abraçou as pernas,

depositou a cabeça sobre os joelhos e

ficou assim, por um longo tempo, chorando.

Quando o outro, o maiorzinho,

viu o irmão assim,

agarrou-o pelos ombros

e gritou desesperado.

_ Não vá morrer!

Não me deixe, não me deixe!

E de seus olhos as lágrimas

começaram a correr.

E eu ali, a poucos passos,

observando-os, entristeci.

Por desejar que eles estivessem

no colo da mãe deles ou

dormindo em um leito macio.

Porém, ao contrário,

estavam naquela calçada fria

chorando sobre si mesmos

enquanto a enraivecida brisa da madrugada

batia na cara deles.

Na segunda parte do livro contém:

3.3 LADRÃO DE CORAÇÃO (tema da poesia independente)

Eu caminhava ao léu pelo subúrbio da cidade, quando encontrei aquele casal, à sombra de uma amendoeira. Ele devia ter uns treze anos, e estava nu, da cintura para cima, montado em uma bicicleta. E ela devia ter no máximo doze, tinha o rosto corado pelo sol, e estava inquieta, com a mochila nas costas. Ao passar por eles, ouvi, claramente, o que ela disse em um tom de séria advertência.

_ Não vá roubar outra por aí!

_ Quem?! Eu?! Eu não sou ladrão!…

_ Mas roubou!

_ Não roubei!…

_ Roubou!

Logo em seguida, com as lágrimas escorrendo pelo rosto, ela entrou, correndo, em um colégio que funcionava ali em frente. E ao passar por mim, vi, nos seus lindos olhos, que aquele guri, de cabelos de ouro, havia roubado o seu coração.

3.4 TEMPO, TEMPO

O tempo arrasta

para a terra

o pó da carne

E a noite traz,

a poeira dos sonhos.

3.5. UM DOS EUS

Não bebo

não fumo

e não rezo.

porque não sou perfeito.

2 thoughts on “Pelos Caminhos do Mundo

    • Author gravatar

      Olá, Professor, eu lendo partes aqui exposta, desse livro e analisando as críticas, nos contos e nas poesias, nele existente sobre nossa pátria, é perceptível que se compararmos a situação do país, daquela época, para os dias atuais, não é muito diferente a disparidade social e econômica entre as classes, e ainda pelo o mesmo motivos, a corrupção,por parte de alguns que já estão a décadas afundando o país . Apesar de ser uma ficção, mas traz consigo um retrato real do descontentamento dos brasileiros, e de suas lutas contra a pobreza e a desigualdade social.

      • Author gravatar

        Bom dia Maria, tudo bem?
        Fico muito grato por seu interesse em ler o livro
        PELOS CAMINHOS DO MUNDO. esse livro, embora trade
        de certa decepção com o país, o que tem nele é muito verdadeiro.
        No entanto, comparando-se aquele tempo com o de hoje, infelizmente temos que
        perceber que os dias atuais estão muito piores de se viver.
        Naquela época, tínhamos um único inimigo. Agora são vários.

        Grande abraço
        Wandercy de Carvalho

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