Saudades de Mim Mesmo

Saudades de mim mesmo

1. Contexto histórico em que esse livro foi escrito.

Saudades de mim mesmo contém poemas compostos no contexto sociocultural da Geração Mimeógrafo.  Ou seja, após 21 anos de governo militar no Brasil, em 15 de janeiro de 1985 foi “eleito”, de forma indireta, um presidente civil, o qual veio a falecer logo em seguida. O vice que assumiu a presidência, entretanto, por mais paradoxal que pareça, havia articulado argumentos contra essa eleição.

Nesse contexto, Saudades de mim mesmo está composto com poemas relevantes para a época. Esse livro foi editado em maio de 1985. Por isso, certamente que ele, assim como os outros livros: Escrito nos olhos, E nós somos isso? Quando cheguei em mim e Pelos caminhos do mundo estão inseridos no contexto do movimento sociocultural denominado pela mídia e pelo meio acadêmico de Poesia Marginal ou Geração Mimeógrafo.

2. Qual a proposta central desse livro?

 

Inicialmente, de acordo com o exposto acima, o clamor pelas Diretas Já foi uma grande frustração. Porque, na realidade, o que aconteceu foi o seguinte: os leões desistiram da floresta, e ela foi invadida pelas raposas. Ou seja, o Brasil ficou desgovernado. E assim, com essa troca tão ‘significativa’, os ingênuos poetas da “Geração Mimeógrafo‟, os quais, na época, pululavam na cidade do Rio de Janeiro, acreditando que algumas coisas iam ser alteradas, se deixaram abduzir pelo discurso de mudança.

No entanto, alguns desses poetas percebendo que nada mudou, continuaram a escrever como se, absolutamente nada, tivesse acontecido. E assim, os poemas continuaram a ser escritos com o mesmo “tom”, as mesmas invenções, as mesmas performances, as mesmas crônicas do cotidiano, principalmente porque eles externavam as mazelas sociais, todas proveniente de atitudes mal tomadas, no que diz respeito, principalmente, à gestão pública.

3. E o que a Geração Mimeógrafo tem a ver com isso?

 

Primeiramente, seguindo influência direta de poetas como: Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Maiakovski, Whitman, Kerouac e o papa da poesia de rua, Flávio Nascimento, a poesia gestada a partir desse alimento teria de apresentar características, não só espontâneas e experimentais como também, paródicas e satíricas. Estas são, portanto, algumas características da poesia da Geração Mimeógrafo. E por isso, o livro Saudades de mim mesmo não poderia ser diferente. Nesse contexto, nele contém poemas que representam muito bem a poesia da Geração Mimeógrafo, ou Marginal, já que essa poesia é, claramente, a reinvenção do cotidiano e do lírico, conteúdo esse, muito frequente no livro Saudades de mim mesmo.

Desse modo, o que está nesse livro representa muito bem a Geração Mimeógrafo ou Poesia Marginal, porque nele contêm as cenas dos fatos ocorridos naquela época. Todos moldados na perspectiva do momento, mas de acordo com o olhar dos poetas marginais ou independentes. Ou seja, dos poetas que viviam à margem, tanto do meio acadêmico, quanto da mídia e do poder econômico estatal. Essa poesia era, não só gotas de lágrimas passadas na fina peneira das expressões de ver o mundo, como também, uma alternativa de sobrevivência dos poetas independentes.

Desse modo, convém acrescentar que, aquelas duas instituições; ou seja, o meio acadêmico e a mídia, órgãos criadores de rótulos, parecem desconhecer que antes de serem cunhados os nomes de Poesia Marginal e Geração Mimeógrafo, o termo mais usado entre os leitores e entre os poetas era: Poesia Independente.

 

Poesia Independente? Independente de quê?

 

Poesia independente era aquela poesia produzida pelo esforço do próprio poeta. Isto é: aquela poesia que sobrevivia, a duras pena, de forma independente. Livre, principalmente, do dinheiro público. Quero dizer, do dinheiro estatal, oriundo das secretarias de culturas. Acreditava-se que os órgãos mencionados atribuíam a si o direito de excluir determinado poema que não ‘agradasse’. Por um lado, por ofender ‘autoridades’, por outro, pelo vocabulário ‘profano’, ‘impróprio’, ‘ofensivo’ ou ‘chulo’. Com isso, a interferência na escolha de um poema poderia significar o fim de um contrato de edição. Assim, a nomeação de Poesia Independente devia ser o nome mais apropriado, conhecido e divulgado, visto que essa denominação representa o verdadeiro espírito dos poetas que escreveram, produziram e venderam os seus livros nas décadas de 1970 e 1980, sem depender do dinheiro público.

A princípio, em razão desse espírito autônomo, gestado na nossa consciência de que a poesia devia ser independente de qualquer interferência “oficial”, não motivava nenhum interesse de aproximação com a universidade. Principalmente, para não “cair no sistema”. “Cair no sistema” significava escrever poesia para agradar. Agradar aos políticos, possíveis patrocinadores, agradar religiões, família. Enfim, significava perder a originalidade, a qualidade do trabalho e, principalmente, a independência; atribuição essa, embora muitas vezes radical, tornava-se o contexto mais significativo da poesia independente. Na época, a opinião corrente era de que a ‘qualidade’ da poesia “aceita” no meio acadêmico era tida como suspeita e duvidosa.

Na realidade, o livro acolhido e lido no meio acadêmico, significava poesia “controlada” de alguma forma, pela tutela do Estado, algo que nenhum poeta que se autodenominava independente, queria. Assim, Poesia Independente é o nome mais apropriado para se falar de uma poesia produzida nas décadas mencionadas acima, e que foi inserida no contexto sociocultural denominado Geração Mimeógrafo.

Depoimento de um poeta ‘marginal’

 

No entanto, não querendo polemizar, já polemizando, parece que os rótulos criados depois pela universidade servem apenas para ela incluir, futuramente, autores que nunca recitou um poema em praça pública, nunca vendeu um livro em bares, nunca foi enxotado por gerentes de restaurantes, nunca foi assaltado de madrugada, após vender seus livros, nunca ficou sem jantar, por não ter dinheiro para pagar algo para comer, nunca correu da polícia e outras aventuras paralelas.

Além disso, vale destacar o árduo e prazeroso processo de distribuição dessa poesia independente. Da mesma forma como era produzida, ou seja, independente, em todos os sentidos; o poeta, após editar o seu livro, se transformava em um Microempreendedor, ou seja: depois de receber o livro da gráfica, ele, diariamente, passava a ser um empregado de si mesmo.  E assim, com muitos livros debaixo do braço, logo começava a vendê-los, sem intermediários. Ou seja, um por um dos livros eram vendidos, à noite, nos bares de Ipanema, Leblon, Baixo Gávea, Vila Isabel, Tijuca. Em grande parte, dos bares, desses bairros do Rio de Janeiro, era possível encontrar leitores interessados em ler o que estava sendo produzido no momento.  No entanto, em momento algum, se pode dizer o mesmo de ambientes educacionais.

E assim, o maior prazer que essa atividade proporcionava era poder conversar com leitores e ouvir elogios, sugestões e trocar opiniões sobre determinados textos. Evidentemente que essa experiência propiciava certo estresse, visto que, embora não muito comum, ocorria encontros com alguma “autoridade”, a qual se não gostava do conteúdo do livro deixado na mesa do bar, onde ela estava, dizia ao poeta aquilo que bem queria.

Desse modo, embora o diálogo externado, pela ‘autoridade’, naquele encontro, fosse, muitas vezes, sofrível e deprimente, resistir e sobreviver eram necessários.

História da Geração Mimeógrafo

 

Naquele ano de 1985, quando tivemos a “passagem” do governo militar para o civil, embora tivessem ocorrido tentativas de conter a inflação, ela bateu recorde histórico e chegou a 239% ao ano. Ou seja, para o cidadão comum, o pagador de impostos ou não, muitas coisas ficaram piores do que já estavam antes de ser eleito o presidente “civil”. Para acrescentar, resta dizer que em 1985 o número total de homicídios, no Brasil, foi de 19.747.

Por esses motivos que, nesse contexto, o livro SAUDADES DE MIM MESMO possui poemas bem significativos que justificam terem sido editados. E assim, a proposta central desse livro é externar as mazelas sociais e as relações que disso resultava.

4. Saudades de mim mesmo

contém poemas significativos relacionados à Geração Mimeógrafo. Exemplos:

4.1. Com a inflação destruindo os salários, e o desemprego ocorrendo em toda fábrica, está aí um ótimo tópico para se escrever variados textos.

  • REGIMES
  •  
  • Muitos condenam Hitler
  • porque usou gás
  • para matar crianças.
  • No Brasil, o método
  • é muito mais cruel e doloroso:
  • estão matando de fome.

4.2. A ironia e a sátira eram temas da Geração Mimeógrafo

Conforme dito nos comentários sobre o livro: Escrito nos olhos, o gênero sátira estava presente em muitas criações da época. Eis aí uma amostra.

ORAÇÃO QUE A CRISE NOS ENSINOU

 

Pai nosso que estais no céu

olhai atento para o Brasil.

Venha a nós as eleições,

o amor e a justiça.

O emprego nosso de cada dia

fazei com que não o percamos hoje.

Não deixeis a faminta inflação

Acabar com o frágil Cruzeiro.

Perdoai o calote da dívida externa

se quereis que perdoemos

aqueles sanguessugas americanos.

Não deixeis cairmos na tentação

de não sabermos escolher o presidente.

Mas, por sabedoria e piedade,

ajudai-nos a escolher.

4.3. Geração Mimeógrafo e poder

 

No que diz respeito à presidência da República, como se nada tivesse acontecido, continuavam as críticas a militares porque eles ainda continuavam a ocupar pontes estratégicos do governo central.

   A GUARIDA

 

Na guarita, do alto da colina distante

o soldado Priapo baixou a roupa

como qualquer recruta.

O superior visitante não permitia,

em momento algum, o soldado dizer, “não”.

Os músculos, embora tensos,

não faziam desaparecer:

a beleza da pele jovem e macia

o peito largo, as coxas grossas,

o olhar sereno.

E o apaixonado e submisso comandante,

esquecendo-se da sua superioridade,

beijou os lábios, lambeu os orelhas

acariciou o sexo do soldado Priapo.

Em seguida, vencido pelo Amor

murmurou a ordem no ouvido do amante.

_Mete…!

4.4. A Poesia Marginal não é Marginal

 

Apesar de todo o ‘engajamento’, o poeta “independente” é também amoroso.  Por isso no livro Saudades de mim mesmo contém poemas apaixonados.

SONHO

Queria que você

dormisse meu sono

para descobrir

o quanto sonho

com você.

E assim concluir,

o quanto lhe quero.

PLANTAR

Se fosse possível

eu plantava

o meu coração

no seu.

Na esperança de criar

um novo ser

que não fosse

nem eu

nem você.

Mas algo

que representasse

nós dois.

4.5 O livro Saudades de mim mesmo contém poemas com uma visão futurista sobre homem.

RETRATOS DO TEMPO

Antigamente,

só a beleza da mulher

era endeusada.

Ninguém notava os homens

e eles passavam despercebidos.

Hoje, entretanto, temos de admitir

que é bonito ver:

eles passarem de mãos dadas.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.